BICICLETAS: Um longo percurso

BICICLETAS: Um longo percurso

Embora venha se ampliando a cada ano, o uso da bicicleta como alternativa de transporte ainda enfrenta barreiras, inclusive dentro dos condomínios.

Magrela, camelo, bike… Seja lá como for chamado, esse veículo de duas rodas tem, cada vez mais, caído nas graças dos brasileiros e vem se tornando mais comum nos meios urbanos. Motivos para isso não faltam: praticidade, baixo custo, prática de atividades física, preocupação ambiental são apenas alguns. Esse novo panorama tem levado governantes de várias cidades a investir na ampliação de estruturas que apoiem a utilização de bicicletas. No entanto, para muita gente que faz uso constante do veículo, ainda não parece suficiente.

É o que aponta o “Perfil do Ciclista Brasileiro”, lançado no ano passado por iniciativa da associação Transporte Ativo. Foram entrevistados mais de 5 mil ciclistas, que utilizam a bicicleta como meio de transporte ao menos uma vez por semana. Entre eles, cerca de 60% aderiram a essa prática há menos de cinco anos. Um pouco mais de 70% pedalam cinco ou mais dias por semana. 

A síndica Henriette organizou o bicicletário, eliminou bicicletas abandonadas e ainda disponibilizou uma bomba para encher pneus no local, trazendo conforto aos ciclistas do condomínio.

O Rio de Janeiro acompanha as médias nacionais. A futura capital da bicicleta, segundo os planos da prefeitura, ocupa a segunda posição entre as cidades onde os ciclistas mais saem para pedalar durante a semana (cerca de 80%), perdendo apenas para Recife (quase 90%, número que deve continuar crescendo). Nos últimos quatro anos, a malha cicloviária foi ampliada de 150km para 38km de comprimento, com a meta de alcançar 450km este ano. Além disso, a implementação do projeto de compartilhamento de bicicletas Bike Rio, uma parceria da Prefeitura com empresas privadas, colaborou bastante para o aumento de ciclistas pela cidade. 

O reflexo desse panorama já vai, aos pouquinhos, sendo notado nos condomínios. É o que observa Henriette Krutman, síndica do Edifício Augusto César Cantinho, em Botafogo: “Vários moradores que utilizavam as bicicletas raramente em geral, nos fins de semana agora fazem uso mais assíduo”.

Henriette pode falar sobre isso com autonomia de quem tem pleno controle do espaço onde se guardam as bicicletas. Vencedora do prêmio Secovi Rio 2009, naquele ano ela instaurou uma espécie de operação choque de ordem no bicicletário dos condomínios. Eliminou os veículos abandonados, melhorou o armazenamento e a distribuição, e foi além, chegando a disponibilizar uma bomba para encher os pneus.

Com 98 unidades, o condomínio conta com um espaço no subsolo que comporta 67 bicicletas aliás, já houve ocasiões em que o limite foi ultrapassado. Para solucionar o problema, a administração definiu um local para os veículos excedentes nas áreas comuns das garagens. A disposição das bicicletas é determinada de acordo com a frequência de uso. Todas elas são identificadas por uma espécie de crachá, que contém o número do apartamento ao qual está vinculada.

Dessa maneira, os moradores podem armazenar suas bicicletas sem dor de cabeça. É assim para Cristiano Pontes, de 67 anos. Morando há apenas um ano no Augusto César Coutinho, o administrador diz que, embora não possa avaliar as transformações executadas no bicicletário do edifício, de uma coisa tem certeza: a organização do espaço é uma tremenda mão na roda.

Cristiano, que costuma utilizar a bicicleta duas ou três vezes por semana, é só elogios para o sistema do condomínio, inclusive para a ideia de deixar uma bomba de ar disponível para os moradores. Ele conta que a ferramenta já foi muito útil durante o período em que a bicicleta de sua mulher apresentava um defeito na válvula da câmara do pneu.

Esse panorama é bem diferente do existente no condomínio onde morava anteriormente, com espaço superlotado, o que dificultava o acesso às bicicletas. “Só era fácil para quem conseguia guardar a bike perto da saída”, explica. A de Cristiano chegou a ser roubada quando ele a estacionou em sua vaga de garagem.

Há cerca de 20 anos pedalando frequentemente, o administrador assume que esses acontecimentos causam medo, mas acabam superados. Hoje ele utiliza uma bicicleta velha para não chamar atenção. “Eu persisto porque acho que é um excelente meio de transporte”, justifica.

O que eu faço com a minha bicicleta?

Persistência parece ser a palavra de ordem para quem quer pedalar em uma cidade que ainda não aderiu completamente à cultura das bicicletas e onde o risco de ser roubado é uma preocupação constante. Diante desse panorama, deslocar-se e, principalmente, estacionar a bicicleta, em alguns momentos pode se tornar uma dor de cabeça.

A produtora audiovisual Michelle Chevrand, de 34 anos, já teve que se virar um bocado para conseguir ir trabalhar pedalando: “Normalmente não é fácil parar a bicicleta. Na maioria dos lugares onde trabalhei, os edifícios não tinham bicicletário. Apesar de serem prédios comerciais de grande circulação o que, teoricamente, os obrigaria a ter esse espaço , não havia local próprio para as bikes”.

No período em que trabalhava no Centro da cidade, na Rua Erasmo Braga, ela utilizava o bicicletário do Fórum de Justiça por ser grande e vigiado por câmeras. Já em Botafogo, estacionava sua bicicleta na casa de um amigo, que sedia um espaço na garagem. Segundo a produtora, porém a administração desse edifício se mostrava hostil em relação à entrada de bicicletas, alegando que o local não era “lugar de colocar entulho”.

Acostumada a situações assim, Michelle viu a oportunidade de fazer a diferença quando assumiu a gestão do Edifício Marseille de Saint Henri, em Laranjeiras, onde atuou por três anos, tendo deixado o cargo no ano passado. Como síndica, ela pôs ordem no bicicletário do condomínio, realizando um recadastramento. No processo, foram encontradas cinco bicicletas abandonadas, todas doadas depois.

Durante a sua gestão, a produtora desejava ampliar o bicicletário, já que o edifício possui mais vagas de garagem do que apartamentos. Contudo, como a Convenção do condomínio estipulava um número maior de vagas para moradores das coberturas, a ideia acabou não saindo do papel. Ela explica que também acabou se deparando com um pouco de resistência dos moradores: “A ideia era deixar o condomínio mais prático, de maneira a estimular as pessoas a utilizarem suas bicicletas. Mas isso acontece porque bicicleta não é vista como meio de transporte, e sim como objeto de lazer”.

Apesar de não ter conseguido executar seus planos, Michelle acredita que, pelo menos, pôde estimular outros moradores a pedalar mais: “De certa forma, o que aconteceu depois que fui síndica é que o prédio se tornou mais flexível com o uso das bicicletas”.

Mas nem sempre a resistência é transponível. Moradora do Edifício Taperoá, em Botafogo, a jornalista Rosa Maria Mattos, de 29 anos, enfrenta a dificuldade de, diariamente, transportar a bicicleta pelas escadas do edifício, que é antigo e não conta com elevador ou espaço para deixar o veículo. Ela e o marido tentaram mobilizar os moradores em favor da instalação de um bicicletário no prédio e levaram a proposta para assembleia, apontando sugestões que poderiam ser executadas em áreas comuns sem uso nos condomínios.

Apesar de alguns vizinhos terem se manifestado a favor, a assembleia não concordou com as ideias apresentadas. Entre os argumentos, chegou-se a alegar que o bicicletário “enfeiaria” um dos espaços propostos. Para Rosa, um argumento um tanto surpreendente, considerando que, segundo a convenção do condomínio, trata-se de uma área onde é possível, inclusive, depositar entulho. “Queríamos propor algo que fizesse sentido para os moradores. Infelizmente, não havia argumentos suficientes para convencer os proprietários”, lamenta. 

O casal chegou a insistir e até deixou as bicicletas em um dos locais sugeridos para o bicicletário como forma de protesto pacífico, o que acarretou uma multa, que acabou sendo revogada mediante um acordo. Diante da situação, o casal não teve escolha senão manter o veículo dentro de casa. Rosa, que é mãe de duas meninas, uma de 2 e outra de 7 anos, e usa a bicicleta inclusive para levar a filha à escola, acabou deixando a batalha de lado em função de outras prioridades.

A ideia agora é não renovar o contrato de locação e procurar outro lugar para morar. “Não é uma solução coletiva, mas fizemos o que podíamos. Percebemos que não adianta ficar brigando com uma estrutura consolidada. Queremos um lugar que possa abrigar nossas bicicletas”, diz a jornalista.

Educação é a solução

Para o diretor-geral da organização Transporte Ativo, José Lobo, tratar sobre a relação dos condomínios com os ciclistas é algo extremamente importante, uma vez que, em geral, as Convenções ainda não sabem como lidar com a presença de bicicletas: “Isso faz com que exista uma série de problemas e fatores que precisam ser repensados.”

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